Sobre o L’Etape du Tour:
O L’Etape du Tour, é um evento Francês, organizado pela ASO, dona dos direitos e organizadora do maior evento ciclístico do Mundo, o TOUR DE FRANCE. Devido a grande audiência que o Tour de France gera, a alguns anos a ASO vem promovendo o L’Etape du Tour, onde amadores testam seus limites em uma única etapa, geralmente essa etapa é igual a uma das 21 etapas que o Tour de France tem, eles prezam por pegar a “etapa rainha”, ou seja, a etapa decisiva que o Tour de France terá, e isso significa o que? MONTANHAS e mais MONTANHAS!!!
O L’Etape du Tour de 2014, ano em que participei teve a largada na cidade de Pau, próximo ao litoral banhado pelo Oceano Atlântico, com término ao alto da estação de esqui, Hautacam, localizada próximo a cidade de Lourdes. Foram quase 12 mil atletas amadores participando de todas as nacionalidades do planeta.
A prova teria em geral 2 grandes desafios, a subida do lendário Col du Tourmalet e o Hautacam, além de 2 montanhas categoria 4. O total seriam 148 Km de prova com 3590 metros de ascensão, ou seja, é pura escalada!
Porquê o L’Etape:
Desde que comecei no ciclismo, a 5 anos atrás, o que sempre me chamou atenção são as transmissões de TV de grandes voltas, (Tour de France + Giro D’Itália + Vuelta España), eu ficava deslumbrado com as paisagens e principalmente as montanhas agressivas, que os profissionais se matavam para superar, e pensava … “Um dia farei algo assim”.
Nessas transmissões, descobri que existia o L’Etape du Tour, a prova específica para amadores se “divertirem” com as altas montanhas do Tour de France, e pensei, está aí a oportunidade de sentir de perto o que é uma escalada a 7% 10% em altitude superior a 2 mil metros.
Porém eu tinha comigo mesmo uma única condição. Só participaria do evento se o Col do Tourmalet fizesse parte da prova, o que é mais difícil de acontecer, pois teria que ser na região dos Pirineus, e sempre existe um revezamento, sendo 1 ano nos Pirineus outro ano nos Alpes.
Mas o santo é forte! No fim do ano de 2013, saiu o percurso para o L’Etape de 2014 ano em que queria participar, e não deu outra. O “tal” do Col do Tourmalet estampado no meio da prova, e o melhor, com chegada “ao alto”, na estação de esqui Hautacam!
Assim com percurso descoberto, e a vontade de participar mais viva do que nunca, fui pesquisar sobre inscrições, hospedagem e o principal, arrumar algum amigo para ir comigo, não necessariamente para participar, mas para dar um apoio moral e ajudar no translado, pois a saída era em uma cidade e a chegada em outra completamente diferente.
Falei com o meu amigo Tiago Sampaio, vulgo Lambão, ele animou na hora, haja visto que após o evento faríamos um mochilão pela Europa, e assim começava os planejamentos para o evento.
O negócio ficou tão bom, que mais amigos abraçaram a causa e resolveram ir também, afinal não era só o evento e sim uma viagem internacional. Ao todo fomos em 7 amigos, além do Lambão, Thiagão, Gui, Pots, Werneta e Mailon.

Logística e Hospedagem em Tarbes:
Analisando o mapa, e preço de hotéis, resolvemos nos hospedar na cidade de Tarbes, que fica próxima aos Pirineus, entre a Pau (largada) e Lourdes (Chegada). Seria um jeito mais fácil de administrar treinos e até após a corrida. Tarbes é uma pequena cidade, como a maioria dessa região, tem aproximadamente 43 mil habitantes, mas muito aconchegante e com um povo extremamente educado e rico. Pelo que soubemos parisienses tem suas casa de inverno lá, aonde podem ir passar o inverno usufruindo de várias estações de esqui.
Mas e como chegar em Tarbes saindo do Brasil?
O destino foi São Paulo – Barcelona.
O voo faria uma conexão em Madrid, e depois seguiríamos para Barcelona. Em Barcelona alugamos uma Van, onde cruzaríamos 400 km saindo da Espanha, e entrando pelo Sul da França, passando por toda a região dos Pirineus.
Quando chegamos em Barcelona, tive uma decepção muito grande, toda nossa bagagem chegou perfeitamente bem, porém o meu “mala bike”, não havia chegado. Foi um desespero ouvir do responsável que não sabiam aonde estava minha bike, a cabeça não funcionava mais e um pânico foi tomando conta de mim, pensava em tudo que havia treinando e planejado até ali, para dar tudo errado.
Com algumas horas de espera, o mesmo me informou que haviam encontrado minha bagagem e que estava em Madrid, que viria no próximo voo. No total foram 6 horas a mais em espera no aeroporto. Difícil controlar as emoções com tudo o que aconteceu ainda mais se sentindo responsável por mais 6 amigos que estavam ali esperando somente por sua responsabilidade.
Após a chegada do “mala bike”, encaramos uma longa viagem de Barcelona-Tarbes, os 400 km que faríamos durante o dia, pelo atraso tivemos que fazer de noite, mas tudo correu tudo bem, a estrada é SENSACIONAL, ainda mais no trecho que pegamos de noite na divisa da Espanha com a França, no meio dos Pirineus, entre as cidades de Bielsa-Aragonez. Chegamos em nosso destino final 4 horas da manhã, contando a viagem integral foram quase 48 horas de duração, entre Uberlândia e Tarbes.
Enfim, era dormir um pouco, e preparar pois no outro dia eu tinha que montar toda a bicicleta e fazer o Treino do Tourmalet, a principal montanha da corrida.
Treino no “Col du Tourmalet”:


Devido a demora que tivemos para chegar em Tarbes, o máximo que consegui fazer, foi pegar a van com a ajuda do meu amigo Sampaio, e ir de van até ao início da subida, já estava no fim da tarde, ainda bem que no horário local, o sol se põe as 22 h, ou seja ainda tinha um tempo hábil de fazer a escalada.
A montanha tem aproximadamente 21 km de extensão, com uma média de 7,4% de inclinação, terminando a 2115 m de altitude em relação ao nível do mar.
Era o meu único treino específico para a prova, depois disso seria 2 dias de recuperação, para dar tudo no dia da prova.

O inicio da escalada foi trocando um pneu!!! Sim, não sei como consegui isso, mas com o prazo de colocar a bike a van e descer a mesma, para começar o treino, o pneu dianteiro havia furado. Vai entender, né? Em menos de 5 min. já havia trocado e estava pronto para começar.
Fui em um ritmo mais forte, até porque teria 2 dias de recuperação, e ao mesmo tempo sentindo a inclinação da montanha, uma vez que, em minha região no Brasil não existe nada parecido em relação a vários km de extensão com uma inclinação tão agressiva. Enquanto no Brasil treinamos com uma média de 3%, lá era de 7,5%! Usando uma relação compacta de 50/34 – 12/28 de coroas e cassete.
A tarde estava linda, e bem propícia para a escalada.
Estava admirado com o local, e com a experiência, primeiro treino em terras francesas, e logo escalando com Tourmalet, umas das montanhas mais famosas e com mais participações no Tour de France.
No meio da montanha, já havia me habituado com o quanto os motoristas são educados, e já estava pedalando no meio da minha pista, todos respeitos muito, então não seria uma preocupação!!!
Mas me aconteceu algo que eu nunca imaginava, com o pessoal já se “instalando” ao longo da montanha, com seus motor-home e trailers, por causa do Tour de France que passaria ali apenas uma semana depois que o L’Etape, havia um casal, sozinhos sentado no alpendre, eu passei fiz um sinal de “joia” para eles e coloquei a língua pra fora, uma brincadeira minha, os dois se levantaram e aplaudiram de pé! Sim!!! Isso mesmo, e ainda falando BRAVO!! BRAVO!!, aquilo me fez sentir mais ainda o que é o ciclismo e o respeito com que o europeus tem com o esporte. Afinal não é qualquer um que encara escalar uma montanha daquela.
A 5 km da chegada ao cume do Col du Tourmalet, existe uma estação de ski, chamada La Mongie, lá existe grande numero de apartamentos e acomodações, acredito eu que fique cheia o ano todo, pois estava lotada no dia, e na época do inverno então onde existe neve não deve ser diferente.
De La Mongie até o alto do Tourmalet, é a parte mais inclinada da montanha, hora chegando a 15% de inclinação, e com as pernas já doendo depois de 1h30 de escalada, é um ótimo desafio.
Nesse momento já era possível ver as pinturas no chão, que os fãs fazem para esperar os ciclistas profissionais no Tour de France, existe mensagens de tudo quando é tipo, foi bem legal ler essas mensagens, teve uma em específico que me marcou bastante, “TOUR DE FORCE”!
A duas curvas do cume, tive outra experiência com os europeus, dessa vez com um carro, que me passava e vi uma criança, toda admirada no carro me dando tchau! Respondi prontamente, tudo é festa, ainda mais em uma situação dessa.
Assim chegava ao alto do Col du Toumalet, com mais ou menos 1h45m de escalada. Foi duro mas, indescritível o que senti no momento. Foi tudo muito rápido também, pois o dia estava acabando e ainda precisava descer a montanha inteira, e encontrar o meu amigo Sampaio no local de onde sai.
Não posso me esquecer do terceiro momento de interação com o povo europeu, eu havia chegado ao alto da montanha e precisava de uma foto minha, ao centro da estátua de concreto e da plana de identificação. Foi aí que encontrei somente uma pessoa lá em cima, um motociclista que estava parado olhando o por do sol maravilhoso que ali se iniciava.
Pois bem, com meu inglês precário, pedi gentilmente para ele tirar uma foto minha, ele entendeu tudo que eu precisava e atendeu prontamente. Fiz ele sair de onde estava e andar uns 5o m, atravessar a pista para pegar perfeitamente o local aonde eu queria.
Pouco pude conversar com ele, por causa do meu domínio quase zero no inglês, ele era espanhol, estava ali passeando, tentou falar comigo em espanhol também, mas foi pior! Mas o cara “PIROU” quando soube que eu era brasileiro. Todos por lá pareciam gostar bastante, de quando eu dizia que era do Brasil.

Após a subida, e os momentos de interação, foi iniciar a descida, aonde somente fui curtindo o visual, fiz poucas fotos, e não parei em nenhum momento, estava com medo de ter algum furo de pneu ou algo do tipo e ficar sem luz do dia, preocupação também com o meu amigo Sampaio que estava me esperando na base da subida.

Assim terminava o 1º dia em terras francesas, por mais que tente falar qual foi a sensação é complicado, mas ali sim, estava 100% feliz!

A Corrida:
No dia 20 de Julho de 2014, depois de três dias após a chegada na Europa, enfim chega o grande dia, o dia da prova.
Acordado às 5 da manhã, depois de uma noite complicada de sono, devido a ansiedade, foi levantar, tomar um banho para dar uma relaxada, e partir para a cidade de Pau, onde seria a largada. A cidade de Pau ficava próxima a Tarbes.
Na chegada em Pau, ainda escuro, já se notava inúmeros ciclistas em seu aquecimento antes da prova, a cidade já estava a “mil por hora”, assim já sentia o coração pulsando mais forte.
Após conseguirmos um local para estacionar a van, eu e meu amigo Lambão, fomos sentido a região da largada.
A largada funcionaria da seguinte forma: Largariam de 1000 em 1000 ciclistas com o prazo entre eles de 10 minutos. Como meu numero de inscrição proposto pela organização foi o de 11345, eu obviamente estaria na largada de 11 posição.
Após a chegada na região a foto, foi a hora de despedir do meu amigo Lambão, e me encaminhar para minha posição de largada.
Antes fui encher minhas caramanholas de água, e comer algum pão e banana. Estar bem alimentado antes da largada era fundamental.
Tive uma outra ideia também de ultima hora, que foi procurar alguém para me emprestar uma bomba e calibrar os pneus, eles estavam devidamente calibrados, mas o psicológico nessa hora não pode ser afetado.
Encontrei uma francesa e seu pai, ela estava calibrando os pneus da bike dela, pedi gentilmente em inglês, e prontamente ela me emprestou, e melhor, até me ajudou.
Após isso me direcionei ao meu local de partida.
Já em minha posição, dentro da “baia” onde largariam comigo os penúltimos 1000 ciclistas do evento, começo a reparar o pessoal em si, colegas de corrida.
Reparei que haviam muitos casais, pais e filhos, idosos, enfim de todas as idades e com todos os tipos de equipamentos, desce bike’s top de linha até as mais simples.
Nessa hora o locutor ia fazendo contagens regressivas de outras largadas, a emoção ia somente aumentando, locuções em francês, inglês e até em português, devido ao grande numero de brasileiros participando do evento, eramos quase 400.
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 … e foi dada a largada.
Após a largada, eu tinha uma estratégia, que não era “puxar” muito no início, ou seja, não fazer muita força no começo para não sentir no final. Procurar sempre uma “roda” para pegar o vácuo, era de suma importância.
Mas devido a emoção da largada, não deu outra. Saí com um ritmo um pouco mais acelerado, mas devidamente controlado após os primeiros 20 minutos de prova.
A prova seria divididas em 3 etapas, na minha linha de raciocínio, a primeira seria os primeiros 70 km, com passagens por 2 montanhas categoria 3, a segunda parte da prova a escalada e descida do Col du Tourmalet (montanha que já havia treinado dois dias antes), e a terceira e última parte da prova a escalada de mais ou menos 16 km a estação de ski Hautacam. A prova teria seu término no alto da estação.
Pouco antes da subida da primeira montanha categoria 3 da prova, o Cotê de Bénéjacq, com aproximadamente 30 km de prova, acabei conhecendo um alemão, com o qual fizemos uma parceria de revezamento.
A subida do Cotê foi dura, porém rápida, ele é muito curto. Na descida do outro lado já pude notar as primeiras quedas, ciclistas com machucados e ambulâncias prestando os primeiros socorros.
Com 35 km de prova, passei pela cidade de Pontac, onde teria o primeiro ponto de reabastecimento de água e alimentação. Parei rapidamente, completei minhas garrafas de água e continuei a prova.
Em seguida para a segunda montanha categoria 3, encontrei com dois brasileiros, pude notar que eram do Brasil, pois estavam com um uniforme da Garmin que tinha a bandeira brasileira. Quando passei por eles, um casal, gritei, “Aoooo Brasil”. Eles responderam da mesma forma e continuei em frente.
No km 56, veio a subida do Cotê de Loucrup, outra subida curta porém muito difícil. Nesse climb fiz junto com uma turma de ingleses, não cheguei a conversar com eles, mas pelo sotaque do inglês que eles usavam pude reparar.
Após os dois climbs categoria 3, ainda com minha linha de raciocínio sobre a prova, restava apenas uma grande reta ate o km 70. Nessa reta o vento contra estava muito forte, me coloquei atrás de um ciclista e fui no vácuo. Quando senti que ele estava caindo, fui puxar um pouco também, ele atrás de mim começou a falar “vámonos .. vámonos …” nessa hora ele se posicionou ao meu lado, achando que eu era espanhol, por causa dos patrocínios do meu uniforme. Falei para ele que era do Brasil, e ele me falou que era dos Estados Unidos. Uma breve conversa pois o mesmo ficou para trás. Consegui achar uma outra “roda”, mais rápida, e fui no embalo. Era um pelotão grande, com um senhor puxando o tempo todo, fiquei espantado com a força que ele tinha.
Na chegada ao km 70, e o início da subida do Col du Tourmalet, parei ao ponto de reabastecimento para repor o que tinha necessidade, e me encaminhei para a subida.
A previsão estava certa, CHUVA, e muita CHUVA. Eu estava muito bem fisicamente, e ali já conhecia a subida, não era uma incógnita mais. Com isso começava a segunda parte da minha corrida, ali eu pensava em forçar mais pois teria uma longa descido do outro lado da montanha para me recuperar.
A chuva começou a apertar logo na base da montanha, mas até então nada que prejudicasse o rendimento da prova. Como queria apertar o passo, fui passando muita gente, nesse hora já havia buscado o pessoal até da terceira largada. Haja visto que larguei 1h30 depois, eu estava realmente bem em relação aos companheiros.
No meio da montanha pude deparar com uma situação que me surpreendeu, um senhor de aproximadamente 60 anos ou até mais, ali encarando a montanha a 8% de inclinação, isso foi sensacional. Me empareei ao lado dele e o cumprimentei, era notório a forma com que ele subia, vi muita gente mais nova e até mesmo mais forte, desistindo da prova, e ele não, ali atacando a montanha.
Como toda alta montanha, a temperatura é sempre inconstante, ainda mais com a chuva. O Col du Tourmalet tem como ponto mais alto, 2115 metros acima do nível do mar, é uma altitude bastante elevada, e com isso tem baixa temperatura e muito vento.
Com a chuva e o vento, o frio parecia ainda mais forte, ainda subindo a montanha eu comecei a sentir o corpo, devido a baixa a temperatura. No meu ciclo-computador marcava 4 graus.
Achei que poderia ser o corpo sentindo o frio e também de hipoglicemia, devido ao tempo que já estava me esforçando.
A 5 km do cume do Tourmalet, na estação de ski chamada “La Mongie”, havia outra base de hidratação e alimentação, lá peguei um pão com queijo, água e me projetei para os 5 km finais da montanha.
Foi difícil terminar a subida, vi muita gente abandonando a prova ali, o frio estava muito forte, e eu não estava preparado, não tinha nenhuma blusa ou corta vento, 95% dos participantes tinham consigo um corta vento, e colocavam até mesmo sacos de lixo plástico para se aquecerem. Como eu estava fazendo a prova sozinho, não tinha como pedir algo do tipo para ninguém.
Finalmente consegui chegar ao alto do Col du Tourmalet, no km 95 de prova, em um total de 148 km.
Ali eu me preparava para a terceira etapa da minha prova, que era a longa descida da montanha com aproximadamente 37 km de descida.
Quando comecei a descida, tinha a preocupação de não acontecer nenhuma queda, pois é uma descida bastante técnica com curvas de mais de 120 graus, além do piso molhado devido a chuva, isso tudo em alta velocidade, hora chegava até a 70 km/h.
Foi aí que realmente eu senti, meu corpo não parava de tremer, descendo muito rápido, com chuva e vento, minhas mão começaram a congelar, minhas costas e braços não aguentavam mais segurar o ritmo que estava descendo. Me bateu um desespero fora do comum, perdi totalmente o controle mental, e isso em uma prova de longa distancia é fundamental.
Pensei várias vezes em desistir, só não o fiz porque eu não tinha nem como avisar alguém dos meus amigos aonde eu estava, eu estava no meio de uma montanha, em uma região cercada por outras montanhas. Como a única saída era continuar descendo, diminui o ritmo e acabei por fazer uma parada no vilarejo de “Baréges”. Lá havia ponto de abastecimento de água, a chuva não parava em nenhum momento, avistei ao fundo um galpão com um senhor na porta, não pensei duas vezes, fui até lá, o cumprimentei e adentrei, lá havia um espaço grande com um ônibus velho no fundo. Lá fiquei por uns 40 minutos, agachado com os braços cruzados tentando me aquecer, eu não parava de tremer mesmo fora da chuva e com o corpo recolhido, o maxilar estava até doendo, de tanto bater o queixo. Era uma hipotermia que estava sofrendo.
Nisso o espaço foi enchendo de pessoas se abrigando da chuva e o frio. Foi ai que apareceu um cara, que não sei de onde ele é, minha cabeça na hora não estava das melhores, conversou um pouco comigo, falou que eu era doido por estar ali sem roupa para frio, o mesmo usava até luvas de couro, enfim, ele fez uma breve parada e saiu novamente. Quando eu o vi preparando pra sair, pensei comigo mesmo, ou eu vou, ou eu vou, não tinha outra saída.
Com o recomeço da minha descida, eu estava um pouco melhor, e consegui manter um ritmo agradável. Como em alta montanha o clima sempre muda, mais para o fim dela, a chuva havia parado, a altitude caiu e a temperatura subiu. Me senti outra pessoa, forte, até a roupa já começava a secar. Nisso consegui até imprimir um ritmo mais forte novamente, até chegar na ultima alta montanha do dia e da corrida, o Hautacam.
O km 132, era o início do Hautacam, ou seja faltavam apenas 16 km para o fim da prova. O problema era que o Hautacam também é uma alta montanha. Já imaginava que seria sofrido tanto quanto o Tourmalet.
No começo da montanha, me senti no Tour de France, estava LOTADO de espectadores, todos batendo palmas e incentivando quem ali estava chegando para a última subida.
Confesso aqui que devido ao meu grau de esforço e cansaço físico, não me lembro muita da subida do Hautacam, eu já estava com mais de 6 horas de corrida. O que me lembro é que ela é extremamente inclinada, até mais que o próprio Tourmalet.
Os últimos km foram bem legais, que mesmo cansado e no limite do que o corpo aguenta, as placas de 3 km, 2 km e do ultimo km são reconfortantes. Ali terminava a minha prova com os 148 km em 7 horas e 48 minutos. Ficou apenas um pesar que poderia ter feito mais rápido, se tivesse preparado para o frio, mas provas são assim mesmo, importante é superar os desafios, e esse com certeza eu consegui, lutei muito para isso, mas consegui.
Com o término da prova no alto do Hautacam, só havia um caminho de volta, era descer novamente a montanha, mas agora não valia mais tempo nem nada, era somente descer. A pista estava dividida, pois quem ainda não havia terminado a prova e estava subindo usava a pista da direita, e quem havia terminado e estava descendo usava a da esquerda, o normal em qualquer rodovia e trânsito. Ali vi muitos passando mal novamente com a hipotermia, até mesmo com ambulâncias e atendimento médico, com toalhas térmicas e etc.
Cheguei ao pé da montanha e começava o meu processo de achar a minha turma, eu combinei de encontrá-los na cidade de Lourdes, a 25 km da base do Hautacam. Ou seja eu tinha que pedalar mais 25 km até chegar na cidade.
Antes eu precisava comer, estava acabado e desesperado, a cabeça não raciocinava direito, me batia um desespero em saber que poderia ter alguma montanha entre esses 25 km.
Na vila eu peguei a medalha de finisher da corrida, e fui ao restaurante, larguei minha bike no chão sem ninguém para olhar e fui lá comer. Peguei um prato de macarrão, suco, barras em gel, batatas Ruffles e etc. Tudo que podia e comi tudo de uma vez, com bastante água. Ali estava pronto para seguir para Lourdes.
Eu só não sabia o caminho direito, pois ainda estava com medo de ter alguma montanha, se tivesse eu esperaria os meninos terem o bom senso de ir me buscar. Perguntei informação para o pessoal, e também para uma moradora da região. Ambos me indicaram o caminho, era plano, haviam até outros ciclistas se direcionando pra lá . Depois de ter terminado a prova, comido, eu estava tranquilo em chegar para encontrar o pessoal.
Assim chego em Lourdes, 40 minutos depois da vila do L’Etape, e logo na pista principal vejo meus amigos. Ali me bateu o desespero no bom sentido, uma felicidade ímpar de ver todos eles com a camiseta do Tour de France, bêbados e me abanando a mão. Fui mudar de sentido rapidamente na rua, pois eles estavam do outro lado e quase fui atropelado! A pessoa do carro teve que frear e esperar eu mudar de lado, mas foi tudo farra, e assim terminava minha aventura nos Pirineus em 2014.